Depois de alguns meses de inatividade, está de volta o projeto Filmes Malditos da Meia-Noite, capitaneado há quatro anos por Alex Oliveira com a proposta de oferecer “cinema underground para cinéfilos notívagos” em Fortaleza. O tema escolhido para marcar este retorno foi o snuff, com a apresentação de três longas-metragens a partir da meia-noite de hoje no Cine Majestik, um popular cinema pornô localizado na Rua Major Facundo, número 866, no centro da capital cearense.
A maratona começa com o catártico Vida e Morte de uma Gangue Pornô (2009), de Mladen Dsordjvic, filme premiado no ano passado no Fantaspoa e que causou um grande alvoroço entre os cinéfilos de Porto Alegre durante o festival (ao ponto de ninguém duvidar que ele seria o grande vencedor vários dias antes do encerramento do evento). O segundo filme é Tesis: Morte ao Vivo (1996), de Alejandro Amenábar, uma das primeiras e melhores realizações do diretor chileno radicado na Espanha, mas que dificilmente poder ser classificada de ‘underground’; este filme inclusive foi um dos primeiros lançamentos em DVD do selo Cinemagia, há uns sete anos, pelas mãos de meu amigo Paulo Duarte. O último longa, que começa às quatro da madrugada, é A Serbian Film (2010), de Srdjan Spasojevic, um dos mais radicais exemplares do subgênero snuff, que promete deixar a galera do Majestic bastante perturbada em seu caminho de volta para casa… Complementam a programação os curtas Pig, de Nico B, e Gave Up (Broken Movie), de Peter Christopherson, além da série August Underground, exibida nas cabines individuais do cinema (uma boa idéia do curador para aproveitar esse capricho muito particular dos cinemas pornográficos).
O material de divulgação do evento define os Filmes Malditos como “projeções mensais de obras do panorama da cinematografia obscura. As sessões trazem ao público filmes com temáticas transgressoras, experimentais, ultrajantes, por vezes incompreendidas ou até proibidas. Em tempos de domínio dos chamados ‘blockbusters’, os Filmes Malditos se configuram como um contraponto a este tipo de cinema hegemônico, trazendo aos olhos do espectador um universo subversivo, fantasioso, polêmico”.
Pegando carona neste último adjetivo, quero dar meu pitaco sobre o tema apenas para comentar que, na minha maneira de compreender o cinema de horror, a ‘polêmica’ em torno dos snuff movies somente torna-se interessante de fato quando culmina na discussão intelectual sobre sua relação íntima com o consumidor desse tipo de produto, ou como um reflexo consciente do processo criativo da arte (a princípio, legitimada pelo verniz da ‘vanguarda’ ou da ‘transgressão’), e não mais no conceito caduco e ingênuo de “filmes clandestinos mostrando assassinatos reais para saciar a perversão de ricaços entediados”, idéia tola e superficial disseminada em meio ao povão consumidor de blockbusters por aquela aberração chamada 8mm (1999), de Joel Schumacher, talvez o pior exemplar sobre o tema.
Claro que, quando abraço o conceito do snuff como uma manifestação artística legítima (e só assim esse tema me interessa, e muito), considero anulado seu teor ‘pornográfico’; portanto, talvez não seja exagero supor que o frustrado consumidor de snuff hoje tenha que se contentar com seu genérico industrializado, o torture porn. Mais do que isso, o snuff atualmente se transformou numa espécie de grito de revolta e até mesmo terapia de choque para cineastas emergentes de sociedades que enfrentaram guerras civis e tiveram que conviver com tortura e morte como elementos cotidianos, a arte germinada em meio ao caos e à devastação num terreno adubado com ódio e sangue, como no caso da Sérvia, não à toa o país de origem de dois dos três filmes desta mostra.
E está dito e feito, Carlos, seu tópico já diz tudo sobre o que poderíamos aprender sobre a essência do "snuff". É uma pena, mas ficarei mais uma vez sem poder ir a mais uma sessão promovida pelo Alex. E nem é tão distante de minha casa...
ResponderExcluirOi, Cayman! Opa, que bom que gostou da postagem. Nem de longe tenho a pretensão de esgotar o assunto, mas me interesso muito por snuff, tanto que inclui o tema na versão revisada do curso "A História do Cinema de Horror". Também existem alguns filmes contemporâneos argentinos sobre o tema, aumentando a discussão em torno do snuff.
ResponderExcluirLamento apenas que você não possa ter ido prestigiar o evento. Tomara que o projeto prossiga por muito tempo ainda.
Nossa que legal seu texto Carlos. Fico muito honrado. E seu curso cada vez melhor, hein? tomara que role de vc vir novamente a Fortaleza ministrá-lo, seria demais! valeu pela força. Cayman apareça qqer dia lá cabra
ResponderExcluirOpa, Alex, foi um prazer escrever sobre a sessão; inclusive foi a motivação perfeita para eu voltar a escrever para o blog com frequência, e espero manter o hábito.
ResponderExcluirNossa, estou com MUITA vontade de voltar para Fortaleza e apresentar mais cursos, ou a versão atualizada do curso que já ministrei por aí, pois acredito que pode ter mais gente interessada que não foi na primeira oportunidade. É só pintar o convite!
Pelo que fiquei sabendo, a sessão SNUFF foi um sucesso total, com o cinema praticamente lotado! Parabéns pelo sucesso e tomara que seja assim todo mês!
Vida e Morte de uma Gangue Pornô e A Serbian Film foram os filmes mais extremos e perturbedores que vi no ano passado! Os sérvios dominam!
ResponderExcluirPrimati,
ResponderExcluirMuito boa sua colocação sobre os "snuffs".
Eu particularmente não gosto deste gênero, nem dos "torture porn". Minha linha é mais suave. Recentemente peguei para ver este "Serbian Film" e o "Vida e Morte...".
Realmente não vi graça em nenhum dos dois.
Na minha concepção esta violência exagerada, que você coloca como um grito de protesto, me pareceu sempre um grito por atenção.
Começarei a ver as coisas com outros olhos.
Rodrigo, claro que quando falamos dos snuff "tradicionais", esses das lendas urbanas e dos produtores e exibidores oportunistas, a coisa não é mais do que um sensacionalismo barato. Mas eu me refiro a conceitos mais ambiciosos, usando o snuff não como um fim, mas um meio de reflexão. No caso da Sérvia, país que acredito que poucos de nós pode dizer que conhece intimamente, nós apenas conhecemos sua história recente de guerras e tragédias. Seja como for, é um povo que sofreu, que teve grande parte da população feminina sofrendo violência sexual etc. O que vejo são cineastas/artistas tentando criar num terreno devastado; isso que chamo de "grito de protesto", pois é a tentativa de se fazer arte sem poder dar prosseguimento a um movimento prévio. É, literalmente, a criação a partir da destruição. Gosto muito do GANGUE PORNÔ e costumo comparar aos melhores filmes do Herzog, que para mim, essencialmente, são "biografias do fracasso". Grande abraço e obrigado pelas palavras gentis!
ResponderExcluirSempre às ordens meu caro! :)
ResponderExcluirEntão, sobre o "Vida e Morte...", realmente entre ele e o "Serbian" eu ficaria com ele.
O outro, de tão extremo acaba se tornando exagerado e beira o absurdo, o que para mim é uma fraqueza em um filme que se propõe duro, perturbador e cruel.
O "Vida e Morte..." tem um quê de comédia, no sentido clássico da palavra, não de filmes para rir.
De qualquer forma meus olhos sensíveis não pretendem outra sessão dupla dessas tão cedo. Tem alguns filmes do Price que não vi ainda... hehe
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