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segunda-feira, 3 de maio de 2010

Le Manoir du Diable (1896)


   Crianças, curvai-vos, pois estais diante do filme que deu início a tudo isso. Durante anos procurei por este curta, considerado o primeiro filme de horror da história do cinema. É um sonho de consumo meu desde quando li sobre o filme na enciclopédia de horror editada por Phil Hardy, livro que ganhei por volta de 1989 ou 1990. Eu não sabia nem como começar a procurar pelo filme, mas ficava cada vez mais obcecado em ver essa relíquia. Quando começaram a surgir coletâneas de curtas e documentários sobre Georges Méliès, o realizador por trás dessa obra seminal, a primeira coisa que eu buscava era Le Manoir du Diable na lista de conteúdo. A curiosidade só amenizou um pouco quando vi um trechinho, talvez 10 ou 15 segundos, num documentário, se não me engano o La Magie Méliès. Ansioso, comentei com alguns poucos amigos que compartilham do meu entusiasmo diante desses fósseis em celulóide, mas ainda era pouco.
   Anos mais tarde, comprei uma luxuosa - e caríssima - caixa de DVDs com curtas do Méliès, um dos orgulhos da minha coleção, mas nada do filmete estar entre os 173 espalhados por cinco discos. Eu queria de todo jeito mostrar esse curta aos alunos do meu curso sobre a história do cinema de horror; achava que seria um presente a quem tem interesse em saber um pouco mais sobre esse assunto apaixonante. Para compensar a falta do marco-zero do gênero, escolhi outro curta do diretor, o encantador Barbe-Bleue (1901), conto de fadas macabro que praticamente inventou o horror psicológico.
   Pois a caçada chegou a um final feliz: eis aqui Le Manoir du Diable, em toda a glória dos seus três minutos e dezoito segundos, um único cenário pintado e Méliès ainda aprendendo a fazer seus truques de parada de câmera, numa obra que já completou 114 anos. A ação é simples, mas é tudo de bom: aparição de esqueleto, transformação em morcego, fantasmas, bruxas e o próprio Mefistófeles desfilam em cena, até que nosso herói se livra do mal empunhando um crucifixo. O curta está disponível no DVD Encore, lançado em fevereiro deste ano num disco único, anunciando novas descobertas como complemento da caixa que já possuo, chamada First Wizard of Cinema (1896-1913).
   Quem não conhece Georges Méliès precisa saber a quem deve grande parte da magia do cinema. Ele foi o primeiro grande gênio da atividade cinematográfica, a primeira pessoa a perceber as possibilidades artísticas daquela máquina de capturar imagens em sequência. Enquanto os Lumière usavam o cinematógrafo para registrar momentos do cotidiano, Méliès criava um mundo só seu, inventando pequenos esquetes para capturar com sua câmera. Era uma mente tão à frente de seu tempo que morreu na miséria, esquecido, desprezado, e somente décadas depois de sua morte o cinema de fantasia aprenderia com seu legado inestimável.
   Para ver o curta no blog, use o Internet Explorer. Você também pode baixar o vídeo em formato MP4 clicando aqui.

22 comentários:

  1. Carlos como vc disse em seu texto, eu também estava que nem louco atrás deste curta.
    Fazia mais ou menos uns 4 anos que eu procurava até que achei uma versão no youtube de menos de 1 minuto.
    Tentei até comprar uma versão importada intitulada: Coffret de 29 Films de Georges Méliès, mas aí me desanimei.
    A caçada continuou até que eu li este artigo que vc escreveu!!
    Maravilha de texto e de raridade filmica dificilima de achar na rede.
    O marco zero, o pilar de tudo o que foi feito daí em diante.
    Valeu Carlos por compartilhar este mundo mágico de George Méllies!!!

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  2. Foi bom demais ter encontrado esse curta; melhor ainda descobrir que tem mais pessoas que tem esse mesmo interesse por conhecer a história do gênero. Fico muito contente que tenha gostado dessa descoberta, Tony. Méliès não é paixão, é puro amor pelo cinema. Como falei, quem não conhece a obra desse gênio, ainda não sabe a quem agradecer pelo cinema hoje ser uma tela pintada com magia.

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  3. Tony, esse trechinho de 1 minuto (que começa com o cenário recriado das filmagens) é justamente o que me refiro que é tirado do documentário LA MAGIE MÉLIÈS.

    Também tentei comprar uma linda caixa de metal francesa, lançada pela Warner, que tinha uma bizarrice: o nome do Méliès estava escrito "George", sem o 's' no final! Depois de poucas semanas, essa coleção simplesmente desapareceu das lojas online! Fiquei emputecido e desesperado. Muitos meses depois, surgiu essa versão americana que citei no texto. O novo DVD, intitulado ENCORE, é complemento dessa coleção. É muito fácil encontrar qualquer um desses dois via Google. Se alguém estiver interessado e não conseguir localizar os DVDs, é só me avisar que mostro os links.

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  4. Nossa, tô muito animada com esse seu espaço aqui! Sempre fui uma grande fã do terror e estou amando conhecer um pouquinho mais dele através das suas postagens. Acabei de assistir o curta e achei muito bacana os efeitos. Adorei a transformação em morcego!rs. Não conhecia o Georges Méliès, tenho tanto a conhecer ainda! Quanto mais eu conheço coisas, mais sinto que não conheço nada! Já fiz algumas anotações de procura, só não sei se vou achar!
    Parabéns pelo blog!

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  5. Carlos, realmente este trecho incial do curta mostra uma edição bem estranha com uma trilha adaptada muito sombria.
    Quanto a Georges Mélies é como vc disse, é pura paixão pelo cinema, mostrando a gênese do que viria a ser este gênero aos longos dos anos.
    Também em relação ao box intitulado ENCORE que vc disse eu tenho muita vontade de comprar só me falta coragem de comprá-lo importado, pois nunca fiz aquisições fora de território brasileiro.
    Se vc puder me passar os links ficaria muito agradecido!!
    Desde já obrigado mais uma vez pela contribuição e pelo ótimo blogger!!!

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  6. Opa, vamos lá então, algumas dicas a quem está interessado em fazer compras via internet.

    Primeiro de tudo, aqui está o link do box com 5 DVDs: http://www.flickeralley.com/fat_melies_01.html
    E aqui o link do DVD Encore, que tem o "Le Manoir du Diable": http://www.flickeralley.com/fat_melies_encore_01.html

    Para quem não sabe, o maior risco de se comprar DVDs de outros países é ser tributado pela Receita Federal e ter que pagar uma abusiva taxa de 60% em cima do valor pago. Digamos que você comprou um DVD que custou U$ 15 e mais U$ 5 de postagem. Convertendo ao valor de R$ 2,50 o dólar, você pagaria R$ 50, o que não é caro, dependendo da raridade e interesse do filme. Porém, se você for pego pela Receita Federal, terá que pagar uma taxa de R$ 30 (ou seja, 60% do valor total, incluindo produto e postagem!), fazendo com que seu gasto suba para R$ 80.

    Uma boa dica para se (tentar) escapar desse imposto comprando pela Amazon é optar pelos produtos "novos e usados" oferecidos pelos parceiros do site. Você tem todas as facilidades e privilégios da Amazon (pagamento com cartão de crédito etc.), mas recebe o produto enviado por outra empresa. O simples fato e não vir na manjada embalagem da Amazon - que sempre chama a atenção dos lobos da Receita Federal - faz com que esses produtos raramente sejam taxados.

    O DVD Encore na Amazon: http://www.amazon.com/Melies-Encore-Additional-Original-1896-1911/dp/B0032Y6XCU/ref=sr_1_1?ie=UTF8&s=dvd&qid=1272919096&sr=1-1

    Repare que ele custa U$ 19,95 na Amazon, mas tem também por U$ 15,15 através dos parceiros do site. Muitas vezes a pechincha é bem maior do que isso; você só precisa ser esperto e ficar atento!

    Muito importante: livros são isentos de imposto; pode comprar livros à vontade e nunca lhe cobrarão taxa de importação. Pegando um exemplo aleatório, vejam como este livro sobre o Georges Méliès: http://www.amazon.com/Georges-Melies-Elizabeth-Ezra/dp/071905396X/ref=sr_1_1?ie=UTF8&s=books&qid=1272919747&sr=1-1, que custa U$ 25 direto na Amazon e U$ 14,45 através dos parceiros, novinho! Se tiver paciência para procurar, você poderá encontrar ótimos livros até por menos de U$ 5. Já comprei coisa na Amazon que custou U$ 1.

    Basicamente é isso; boas compras. ;)

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  7. Caraca! Isso é para se ver de joelhos! Li que Méliès terminou seus dias vendendo balas na estação !!! Sei que é lugar comum, mas não tem como não falar: é preciso que o trabalho desse visionário não caia no limbo do esquecimento, ainda mais em tempos em que a mediocridade é reinante na cultura... Primati, mais uma vez, eu o parabenizo...

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  8. Obrigado pelos links e pelas dicas de compra Primati. Já estou baixando esse curta!
    Já comprei muitas vezes pelos parceiros da Amazon. Já comprei boxes de filmes com 3 e 4 DVDs que custaram só uns 3 ou 2 dólares cada um! E novinhos!

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  9. Primati, parabéns pelo achado!

    e muito obrigado pelo seu entusiasmo do texto!

    :D

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  10. Caramba Primati!

    Este post seu foi sensacional!!! Sempre quis saber qual seria o primeiro filme de terror. Até então eu achava que fosse aquela versão de Frankenstein do Thomas Edson mas agora eis que você me surge com esta pérola belíssima!

    Demais mesmo!!!

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  11. Uau, que ótimo que tanta gente curtiu essa pequena relíquia fílmica! Na verdade, o Méliès e outros imitadores dele - como o Segundo de Chomon, que estou pensando em postar aqui, jpa que vocês se empolgaram tanto! - fizeram muitos curtas com temas de horror antes de 1910, ano do FRANKENSTEIN do Thomas Edison. Esse período inicial é fascinante, pois não se sabia que rumos o cinema tomaria, ainda estava à procura de seu formato, então tudo é muito interessante.

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  12. O cinema fantástico "primitivo" (que de "primitivo" não tem absolutamente nada), especialmente do grande mestre Méliès, são essas coisas que provam como o cinema pode ser visto como uma arte não como uma tecnologia de entretenimento (visão que, infelizmente, predomina hoje em dia): os recursos tecnológicos escassos são compensados por uma imaginação prodigiosa, que reconfigura, de forma emocionante, em magia tudo o que surge na tela. As configurações e aparições pululantes dos filmes de Méliès estão na base não apenas do cinema fantástico, mas de todo cinema imaginativo, da animação até a comédia.

    Seus alunos devem ter adorado a exibição do filmete. Também trabalhei com um do acervo de Méliès quando ministrei disciplina sobre o fantástico em literatura (o cinema de Méliès, aliás, também presta uma imensa homenagem irônica aos grandes autores franceses do gênero, de Cazotte a Verne). E, apenas como dica complementar de mais excelente postagem, segue o link com a resenha de uma linda HQ que homenageia a imaginação selvagem de Méliès, criada por Fabien Vehlman e Frantz Duchazeau e que leva o título mais que adequado de "Le Diable Amoureux et autres films jamais tournés par Méliès":

    http://lerbd.blogspot.com/2010/04/le-diable-amoureux-et-autres-films.html

    []s

    Alcebiades

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  13. Cara! Que raridade! As bruxas e fantasmas chegam a dar medo! Não conheço nada de técnicas de cinema, mas acredito que alguns efeitos de corte de imagem que fazem as criaturas "aparecerem" e "sumirem" são usados até hoje e às vezes de forma muito inferior a desta película. Acho que a Hammer usava o mesmo morcego. Sem dúvida algo muito raro e fantástico, que muitos amantes do cinema gostariam de ter em seu acervo. Algumas criaturas lembram a capa do disco do Genesis, "A Trick of the Tail"... Marcone

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  14. Já me curvei.É muito bom ver esses tesouros, me sinto privilegiado por isso e até emocionado.
    Filme fantástico, só conhecia as obras do Méliès em vhs lançados pela Continental. Soube que ele tem mais de 500 filmes... incrível.
    Carlos, lembrei do que você disse sobre o lugar onde ele filmava e descobri que pertencia ao grande Jean Eugène Roberts-Houdin, pai do ilusionismo moderno e de onde o também ilusionista Harry Houdini tirou o seu nome. Essa ligações são muito legais.
    Bom, só falta agora 499 filmes do mestre para você postar.
    Abração.

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  15. Oi, Chris!

    A vida do Méliès é praticamente tão fascinante quanto sua obra. Só quero esclarecer algumas coisas: na verdade, o Méliès, que já era um mágico famoso, comprou o teatro Roberts-Houdin para exibir seus filmes juntamente de seu espetáculo de mágica. Na nossa conversa eu me referia ao estúdio que ele construiu para fazer os filmes. Foi o primeiro estúdio de cinema do mundo. Curiosamente, esse curta foi filmado ao ar livre; é possível perceber que a iluminação é natural.

    Realmente, ele fez quase 500 filmes, mas pelo menos metade desses estão perdidos. Entre outros destinos trágicos, alguns foram derretidos na época da Primeira Guerra Mundial, para que o nitrato de prata contido na película fosse transformado em biqueiras para botas de soldados. Isso mesmo: obras de arte de valor inestimável foram destruídas para serem transformadas em instrumentos de guerra. O estúdio dele foi ocupado pelo Exército e transformado em hospital para feridos em combate.

    Nos últimos anos de vida, esquecido e amargurado, Méliès morava num quartinho alugado, na companhia de pilhas de rolos de seus filmes, sem qualquer conforto. Num surto de loucura e fúria, para liberar algum espaço no cubículo, Méliès levou vários desses filmes até o quintal e tocou fogo neles.

    As coleções de DVDs com filmes de Méliès reúnem cerca de 200 curtas. Os outros, muito provavelmente, não existem mais.

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  16. Vale comentar também que esse é um dos primeiríssimos filmes do Méliès. É um mero estudo de técnicas de parada de câmera, essas coisas. Ele filmava sem parar, ficava cada vez melhor. Quem quiser conhecer pra valer o que ele fez de melhor precisa assistir aos filmes posteriores, inclusive o clássico absoluto A TRIP TO THE MOON. Entre os filmes brincando com temas relacionados ao horror, tem um com o Diabo se infiltrando num convento que é maravilhoso!

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  17. Alcebíades, li agora seu ótimo comentário e o texto do link que postou aqui!

    Poderíamos ficar discutindo longamente (o que espero que aconteça!) sobre o próprio significado de Méliès, mas não me espanta nem um pouco que ele seja tão lembrado nos dias de hoje. É muito mais do que uma mera relíquia extravagante, um gênio tolo, um ingênuo sonhador; qualquer coisa que poderia achar um empolgado aprendiz de cinéfilo, com a mente poluída pela 'tecnologia de entretenimento' dos dias modernos, como você muito bem definiu.

    Acredito que o fascínio que os filmes dele provocam hoje em dia em qualquer pessoa com um mínimo de sensibilidade é algo como a tentativa do resgate de um ideal de fantasia no cinema. Parece-me uma reação instintiva, o reconhecimento de que o cinema que se faz atualmente se distanciou demais do ideal artístico. Mesmo que a arte de Méliès tenha sido superada nas últimas cinco décadas, não é exagero dizer que suas idéias estavam pelo menos 30 anos avançadas no tempo. Costumo dizer que Méliès só não foi um gênio absoluto e insuperável porque sempre manteve a câmera fixa. Era um homem de teatro, então é compreensível que ele enxergasse o retângulo do palco como sua tela, mas esse é um pecado insignificante diante de sua arte imensa.

    Lembro de uma conversa que tive com o Cid na qual ele falou que gostaria que o cinema nunca tivesse abandonado a fase muda - um delicioso exagero - e eu, sem medo de me arrepender, diria que não me faria a mínima falta se os efeitos especiais tivessem parado em 1958, quando Ray Harryhausen animou as criaturas de SIMBAD E A PRINCESA às custas de muito suor e trabalho duro, elevando a técnica de stop-motion à sua excelência.

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  18. Na verdade os efeitos especiais podiam muito bem evoluir tranqüilamente desde que a criatividade e a imaginação dos cineastas não involuissem proporcionalmente.

    Existem muitos filmes que se utilizam de efeitos práticos aliados a cgi sem perder a classe. Mas não dá mais pros cineastas quererem viver só de fundos verdes e azuis deixando os roteiros para trás.

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  19. Rodrigo, concordo com você, tudo é válido desde que o filme tenha algum conteúdo. Porém, posso dizer, sem receio de me arrepender, que eu viveria muito bem sem cinema inundado por CGI.

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  20. Sem dúvidas! Pra confirmar esta teoria só tenho duas palavras: Star Wars!

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  21. Mais uma aqui grata pelo presente! Adorei conferir isso. Dois aspectos que considerei interessantes é que logo no primeiro filme de horror o Diabo é protagonista. Esse clássico conflito entre o bem (simbolizado pela cruz) e o mal (representado pelo Diabo) perdura até hoje. Outra coisa interessante, que caracteriza ainda o filme como horror é que claramente o personagem teme aquela ameaça.

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