CRÍTICAS, ANÁLISES, IDÉIAS E FILOSOFIAS EM GERAL A RESPEITO DE FILMES DE HORROR DE TODAS AS ÉPOCAS, NACIONALIDADES E ESTILOS, E MUITAS OUTRAS COISAS RELACIONADAS AO GÊNERO

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Ato de Violência (1980)

   Pretendo dedicar parte do mês de janeiro para rever alguns filmes brasileiros de horror, sobre os quais escreverei para uma publicação estrangeira. A pesquisa (inédita) sobre a produção brasileira no gênero, realizada por mim e pela amiga Laura Cánepa, resultou na mostra Horror no Cinema Brasileiro, a qual organizamos em parceria com a Heco Produções para o Centro Cultural Banco do Brasil. A mostra passou por Brasília no segundo semestre de 2009 e no momento está rolando no Rio de Janeiro. No verdadeiro trabalho de garimpo que foi organizar a filmografia brasileira no gênero, chegamos perto da conta de 200 longas de horror, mas a lista acabou sendo reduzida a 144 títulos no guia publicado no livro-catálogo da mostra. Entre os filmes excluídos da publicação está o drama policial Ato de Violência, dirigido por Eduardo Escorel em 1980.
   Sempre haverá discussão em torno de filmes sobre assassinos psicopatas serem ou não considerados do gênero horror, mas eu não abro mão de minha opinião. Para mim, um psicopata é um monstro como qualquer outro (vampiro, lobisomem, zumbi...), com a diferença apenas de não ser sobrenatural. Seu comportamento violento é injustificável: ele tem a agressividade de um monstro e não a de um criminoso de enredo de um policial ou suspense, que geralmente age com algum objetivo em mente (roubo, sequestro, vingança...). Partindo dessa equação, assassinos de ficção como Norman Bates, Michael Myers e Hannibal Lecter têm a companhia de serial killers reais, como Ed Gein, Ted Bundy e John Wayne Gacy - independentemente do gênero de seus filmes.
   Ato de Violência é um dos poucos longas brasileiros inspirados num criminoso verídico brasileiro, temática que rendeu obras como o cult marginal O Bandido da Luz Vermelha e o tosco O Maníaco do Parque - o qual será comentado aqui no blog em breve. Dirigido por Eduardo Escorel, montador competente, Ato de Violência conta a história do famigerado Chico Picadinho (Francisco Costa Rocha), psicopata que esganou e esquartejou duas mulheres em 1966 e 1976 na cidade de São Paulo. Mudaram o nome do personagem - o criminoso interpretado por Nuno Leal Maia se chama Antônio Nunes Corrêa - mas o filme recria cada crime de Chico Picadinho com fidelidade nos detalhes, incluindo o lento esquartejamento na banheira e os pedaços de corpos jogados no vaso sanitário.
   Lento, dramático e deveras deprimente, o filme é ambientado num cenário social decadente e desesperançoso. O criminoso é incapaz de explicar o que o levou a matar tão friamente as mulheres e sua passagem pela prisão não lhe propicia nenhuma espécie de cura, tratamento ou ajuda. A cena que mostra o almoço sendo servido na prisão, filmada em estilo semi-documental, denuncia as condições lamentáveis do sistema penitenciário brasileiro. Críticas sociais à parte, o filme é poderoso, dirigido com segurança por Escorel, que optou por não mostrar as cenas de morte de maneira violenta - o que as torna ainda mais chocantes e inexplicáveis.
   Nuno Leal Maia, a quem o crítico Rubem Biáfora comparava a Rondo Hatton, está correto no papel do assassino psicopata. Seu desempenho discreto, sem demonstrar grandes emoções, torna seu personagem tão patético quanto perigoso e imprevisível. A belíssima Selma Egrei tem grande presença mais uma vez; ela é a atriz brasileira que mais fez filmes que podemos considerar do gênero “fantástico”, atuando em O Anjo da Noite, O Jeca Macumbeiro, Ninfas Diabólicas, O Coronel e o Lobisomem, Uma Estranha História de Amor, As Filhas do Fogo e Estrela Nua. Uma quase rainha do grito dos trópicos!
   Recomendo Ato de Violência a quem se interessa por filmes sobre psicopatas, mas que queiram ver algo além de mulheres sendo retalhadas. Neste mesmo estilo, em breve escreverei sobre A Próxima Vítima (1983), de João Batista de Andrade, outro que só eu chamo de 'horror'.

12 comentários:

  1. Hei. Senti um cheiro de Brasil por essas bandas. Fiquei curioso. O Escorel não era ligadíssimo com a galera do Cinema Novo. Entendo que vc classifique o filme como terror, Primati. Mas será que era isso que o Escorel tinha em mente? O lance da denúncia social e o lado dramático não eram mais importantes? Na concepção DELE, quero dizer. É uma dúvida, não tenho certeza, porque nunca vi o filme. No mais, vi que passa um filme de terror no Canal Brasil esse mês. Não lembro o título, só que era uma palavra só e tinha "Y". Não sei se é terro também. Só sei que parecia ser. Parabéns pelo blog. Ass: Rodrigo Pereira

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  2. Rodrigo, certamente o Escorel não tinha a menor intenção de que o filme dele parecesse horror, ainda que a cena de dois minutos na qual o assassino prepara o banheiro e começa a esquartejar o corpo mereça entrar em qualquer antologia sobre assassinos psicopatas. O que gosto no filme é o aspecto introspectivo e desesperançoso, e o desenvolvimento do personagem central, um cara completamente fracassado e inútil. Porém, o filme não atribui o fracasso dele à sociedade, apenas retrata o mundo como um cenário pouco amistoso. É um tema complexo demais, claro, e não quero ficar escrevendo demais aqui. Mas imagino como seria uma sessão dupla com ATO DE VIOLÊNCIA e HENRY, RETRATO DE UM ASSASSINO, um filme indiscutivelmente do gênero horror, mas que também carrega fortes críticas sociais e que traça o perfil do criminoso como um sujeito sem rumo na vida e que mata sem a menor justificativa. De resto, espero contar sempre com sua visita por aqui, Rodrigo! Aliás, conseguiu comprar O MATADOR SEXUAL? Quero muito ver esse filme, inclusive o Rubem Biáfora escreveu que o filme do Tony Vieira também é inspirado no caso do Chico Picadinho! Então imagina minha ansiedade para ver isso!

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  3. Ah, esqueci de falar: o tal filme com "Y" é MYSTERIOS. Se não me engano passa dia 18. E tem toda a pinta de ser horror sim. Vamos ver.

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  4. E ESTRELA NUA não é aquele filme com a Carla Camurati? Tenho pouca lembrança dele, mas ele pode ser considerado como "fantástico"?

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  5. Oi, Ailton. Opa, ESTRELA NUA é fantástico sim. A mocinha é assombrada pelo fantasma da atriz morta. Vou comentá-lo aqui no blog em breve. Estou revendo a maioria dos filmes brasileiros de "horror" de 1980 até hoje e postarei textos aqui.

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  6. Pela sua descrição, o filme parece bem mais realista e deprimente do que um filme de horror mesmo, que geralmente só causa repulsa. Aliás, alguns desses filmes policiais são bem deprimentes mesmo, tipo aquele do Francisco Cavalcanti que estávamos assistindo. Ainda que tosco, parecia mais um drama social do que qualquer outra coisa.

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  7. Vou atrás de uma cópia de ESTRELA NUA. Fiquei com vontade de rever agora. A cena do baseado de pêlos púbicos nunca saiu da minha cabeça. hehehe

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  8. Ah, mas esse ATO DE VIOLÊNCIA é deprimente pelo retrato de uma sociedade cruel e impiedosa. Os filmes do Francisco Cavalcanti são deprimentes porque é um cinema deprimente... de tão ruim!

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  9. Coloquei link para essa discussão no meu blog, pois já a tivemos tantas vezes com tanta gente, e ela não se esgota...

    Tive a chance de falar com o Escorel rapidamente sobre esse assunto, e ele ficou com um ar entre blasé e surpreso, mas não disse nada muito concreto. Só prometeu que poderíamos voltar a conversar depois.

    O que mais me chama a atenção, no caso desse filme dele, e que acabou servindo como argumento "decisivo" para mim, é que "Ato de violência" foi realizado ao mesmo tempo que os outros principais filmes de serial killers brasileiros (final os anos 70, começo dos 80).

    Então, ainda que ele tente se desvencilhar, não há dúvida de que pertence ao mesmo "ciclo", por assim dizer.

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  10. Oi, Laura!! Você sabe que a invejo muito por esse seu contato com os diretores, que é essencial para o seu trabalho de pesquisa (e uma falha grave da minha parte). Mas a impressão geral é que todos eles fugiriam dessa discussão de "horror"; dizem que até o Fauzi tenta renegar os filmes de horror dele! E o Jair Correa com o argumento que SHOCK é inspirado no cinema húngaro, polonês ou coisa que o valha? Como não sou acadêmico, tenho menos preocupação "científica" para classificar determiados filmes como sendo "de horror"; o que me interessa é que a existência desses filmes CONTRIBUA com a discussão sobre o tema! Na minha ótica, sem dúvidas que ATO DE VIOLÊNCIA é um desses filmes, e insisto que ele não é tão diferente assim de HENRY, RETRATO DE UM ASSASSINO no que diz respeito a clima e abordagem. Enfim, é mesmo uma discussão deliciosa e seria ótimo levá-la adiante!

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  11. É, supostamente a diferença do Escorel para a maioria dos outros é o fato de ele ser também, digamos, um "intelectual" do cinema, um cara que escreve sobre o tema, dá cursos, tem uma trajetória importante e tal.

    Mas a fuga do assunto tem sido uma regra até para o John Doo!! A única exceção, dos que conversei até agora (e que nem foram muitos) é o Luiz Castellini, que fala no assunto com conhecimento, orgulho e desenvoltura.

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  12. Mas o problema do Doo é fugir do assunto ou ele está doidão demais para conversar?? A filmografia inteira dele parece rica para discutir cinema fantástico brasileiro!

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