Consegui apenas recentemente uma cópia desse raro e obscuro filme brasileiro, mais uma das dezenas de descobertas que fiz - junto com a Laura Cánepa - durante a pesquisa para a mostra Horror no Cinema Brasileiro. O filme foi gravado da TV Brasil (não confundir com o Canal Brasil, que também passa muita coisa boa) e foi uma agradável surpresa. É incrível como nunca somos capazez de imaginar exatamente como é um filme até assisti-lo, por mais que a gente leia e se informe detalhadamente a respeito. Eu imaginava Proêzas de Satanás na Vila de Leva-e-Traz (1967) como uma daquelas inofensivas alegorias políticas em clima de teatro mambembe, com pesonagens excêntricos falando aos berros, muita conversa fiada e um clima geral de banalidade. Errei feio - ainda bem.
Longe de ser uma obra-prima, é bem melhor do que pode parecer numa leitura fria de sua sinopse. Às vezes parece lhe faltar coragem para ser mais incisivo e crítico, e a direção de Paulo Gil Soares é convencional demais, mas tem personagens interessantes e alguns momentos de real brilho. A narrativa é conduzida de maneira um tanto quadrada demais para esse tipo de enredo, entre o realismo fantástico e a fantasia surreal - o que nos faz imaginar o que sujeitos como Buñuel, Jodorowsky, Lynch ou mesmo Mojica seriam capazes de fazer com esse material.
Começa com um morador do vilarejo de Leva-e-Traz, numa região rural pobre, tendo um sonho premonitório com uma velha beata cega, a qual lhe indica o local onde está enterrado um valioso tesouro. O homem - que tem apenas um braço - escava no ponto indicado no sonho e descobre um lençol petrolífero. As autoridades logo se instalam na região e começam a extração do petróleo, gerando emprego para muitas pessoas da cidade. O terreno, antes deserto e abandonado, transforma-se rapidamente numa agitada cidade pré-fabricada, para onde parte quase toda a população de Leva-e-Traz, incluindo a prostituta mais requisitada do local. Ficam para trás apenas velhos e inválidos. Quando o padre também decide abandonar o vilarejo, levando consigo a santa padroeira protetora da cidade, estranhos fenômenos começam a acontecer.
Uma moça virgem fica grávida repentinamente e dá à luz a sapos, um bezerro nasce com cara de gente e um bode preto surge do nada em plena igreja. São artimanhas do Diabo, que chega ao ímpio vilarejo disposto a seduzir a população. Um pequeno grupo de rejeitados - formado pelo homem de um braço só, um anão cansado de trabalhar no circo e um velho violeiro cego - se associa ao forasteiro acreditando que assim farão o vilarejo prosperar. O Diabo, por sua vez, enfrenta a oposição de Chico Amansa-Alma (Joel Barcellos, o vampiro de Olhos de Vampa), homem do bem, armado com rosário de contas de prata e um espelho de prender almas.
Algumas cenas tentam resgatar o estilo de versos do cordel, por meio de canções originais de Caetano Veloso, as quais são dubladas no filme pelo velho violeiro vivido por Jofre Soares. O resultado, como dá para imaginar, é bizarro. Dentro desse estilo, gostei muito mais da comédia trágica O Homem Que Desafiou o Diabo (2007), de Moacyr Góes, no qual misticismo, musicalidade e erotismo se misturam num enredo rico em referências à cultura nordestina, sustentado pelo inspirado roteiro de Bráulio Tavares, um dos melhores escritores brasileiros dedicados à literatura fantástica.
Uau! Realmente interessante! uma trama dessas realmente nos faz pensar em Jodorowsky!
ResponderExcluirNossa, parece interessantíssimo! Adoro esses tipos de personagens mais marginalizados. A sinopse me lembrou um pouco A FORÇA DOS SENTIDOS, mais do que O HOMEM QUE DESAFIOU O DIABO.
ResponderExcluirJoel Barcellos foi casado com minha prima, cheguei a conhecê-lo pessoalmente. Mas nem sabia que ele tinha feito esse filme, que parece ser muito curioso.
ResponderExcluirCarlos Primati elogiando um filme de Moacyr Góes. Já vi que 2010 vai ser um ano mais doido do que 2009 foi. :)
ResponderExcluirLeandro, o filme tem detalhes que achei interessantes, principalmente porque existe a idéia viciada de que o cinema brasileiro nunca aproveitou a "nossa" cultura mística para fazer um horror/fantasia totalmente brasileiro. Isso é uma falácia que tentei derrubar com minha pesquisa. Acho que o que chama a atenção no filme "de" Moacyr Góes, como destaquei, é o roteiro do Bráulio Tavares, responsável também por BESOURO, outro filme que quero ver por causa dele, e não do diretor. Não vi e nem me interesso em ver qualquer outro filme do Moacyr Góes, pois meu interesse é no gênero HORROR, e não nesse cineasta ou mesmo no cinema brasileiro em geral. Na verdade, nem sei mais o que ele dirigiu... ;)
ResponderExcluirPrimati, o Góes é um diretor formado nos estúdios da Globo. Pau pra toda obra e com filmes totalmente impessoais, que mais parecem mini-séries de TV. O sujeito tem até 3 filmes da Xuxa no currículo. Mas não acho difícil que "O Homem que Desafiou o Diabo" seja seu melhor trabalho.
ResponderExcluir"Besouro" é péssimo. Trabalho de publicitário que depois de 20 anos meteu na cabeça que sabe fazer cinema. Vale pela inclusão do misticismo do candonblé na trama.
Opa, Leandro, então você matou a charada em grande estilo: pau para toda obra! Pois O HOMEM QUE DESAFIOU O DIABO é cheio de cenas de sacanagem: numa das cenas, a esposa do Ojuara chama ele para "brincar de barbeiro", pois ela está com vontade de depilar as partes íntimas... Numa outra cena bem engraçada, ele guarda na carteira os pentelhos ruivos de uma trapezista, e assim por diante! Isso me fez lembrar da Tizuka Yamazaki, que era celebrada pela crítica como uma diretora talentosíssima, e também tem filmes da Xuxa no currículo! Que pena que BESOURO é péssimo, mas confesso que não esperava nada diferente. Quero conferir mesmo só por causa da mistura de misticismo e candomblé na coisa toda.
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