CRÍTICAS, ANÁLISES, IDÉIAS E FILOSOFIAS EM GERAL A RESPEITO DE FILMES DE HORROR DE TODAS AS ÉPOCAS, NACIONALIDADES E ESTILOS, E MUITAS OUTRAS COISAS RELACIONADAS AO GÊNERO

sábado, 16 de janeiro de 2010

Halloween II (2009)

   Se quisermos analisar com seriedade e cuidado um filme como Halloween II (2009), antes de mais nada temos que nos questionar com o quanto de frescor e imparcialidade conseguimos ver um filme como esse - ou qualquer filme, de fato. É preciso não apenas nos livrarmos de quaisquer conceitos pré-estabelecidos do que seria - neste caso específico - um segundo capítulo da já bastante popular franquia do psicopata Michael Myers, mas acima de tudo nos despirmos o máximo possível da mania de querermos ver um filme do ponto de vista daquilo que gostaríamos que ele fosse, e não de como ele objetivamente é. Muitos textos que leio sobre filmes recentes são pouco instigantes, porque o autor se preocupa demais com o fator “gostei/não gostei”, e menos em tentar esmiuçar o que o filme é de fato, sobre os temas que ele trata e em que níveis isso acontece. Peço licença para ter essa pretensão ao falar de Halloween II.
   Para começar, um pouco sobre o que achei do primeiro Halloween (2007) e dos demais filmes dirigidos por Rob Zombie. Apesar de tecnicamente bem feito e com algumas cenas violentas realizadas com talento, a refilmagem de Halloween comete o erro imperdoável de tentar justificar a psicopatia de Michael Myers, atribuindo sua maldade e deformidade de caráter ao meio ambiente decadente onde o menino vive: pai alcoólatra, mãe prostituta, vizinhança pobre... Um amontoado de clichês que violentaram e desrespeitaram a obra-prima de John Carpenter (o filme original de 1978, aposto que todo mundo viu...), cuja força reside justamente no fato de que não há explicação para aquilo em que se tranforma o pequeno Michael. Carpenter levou o horror ao último refúgio do sonho americano: os bucólicos subúrbios da classe média, com suas ruas arborizadas e vizinhança pacata. Michael Myers é uma pessoa tão normal que Carpenter se dá ao luxo de iniciar o filme com a visão subjetiva do assassino; é alguém tão comum que nós mesmos nos sentimos em seu lugar. E isso é perturbador.
   Depois de uma bem-sucedida carreira no rock pesado, Rob Zombie decidiu partir para a carreira de cineasta, especificamente como diretor de filmes de horror. Seus primeiros filmes são tão anárquicos quanto imperfeitos: A Casa dos 1000 Corpos (2003) e Rejeitados pelo Diabo (2005) exalam a irresponsabilidade de quem cresceu influenciado pelo horror apocalíptico da década de 1970, mas não são para todos os gostos. Ainda que seja exagero afirmar que Zombie esteja se tornando um sujeito mais tradicional, há uma sensível e incontestável diferença entre seus primeiros filmes e os dois Halloween. Isso fica mais evidente no caso de Halloween II, no qual Zombie inclusive parece disposto a refletir sobre o impacto social do culto aos anti-heróis, coisa tão comum no caso de slashers.

Delírios de um cara quase normal

   Depois de fazer dois filmes doidões, nos quais sacrificou lógica, bom-senso e bom-mocismo em favor de estilo, desenvolvimento de personagens e muita cara-de-pau, Zombie teve que aderir a um formato mais convencional de cinema. Seu desafio é exprimir nos filmes o que fazia na música: ainda que brutal, violento e agressivo ao extremo, era capaz de acrescentar um pouco de ginga, de melodia, de ritmo. O heavy metal com batida dançante e camadas intensas de som eletrônico fez com que a música de sua banda White Zombie - e, depois, de Rob Zombie em carreira-solo - rompesse os limites do público metaleiro e ele se tornasse popular também em meio a um público pouco familiarizado com o rock pesado. Mesmo com sua voz gutural e o visual de homem-das-cavernas, Rob até virou uma espécie de sex symbol para mocinhas mal-comportadas. A questão é se Rob é ou não capaz de traduzir isso em uma arte muito mais complexa e menos abstrata: o cinema.


   Halloween II mostra um Rob Zombie que começa a amadurer como cineasta e aos poucos demonstra que tem algo próprio a oferecer. Não obstante a obrigatoriedade de seguir a mitologia de Michael Myers - que rendera sete longas antes de ter seu reboot em 2007 - ele é capaz de contar uma história renovada, com elementos complexos que enriquecem a franquia e abrem um leque de possibilidades interessantes para o futuro.
   A sequência de abertura é o momento mais poderoso do filme, com 25 minutos de uma verdadeira orgia de suspense e mortes violentas, tendo como principal cenário um hospital numa noite de chuva torrencial, no qual o horror reinicia para a azarada Laurie Strode (Scout Taylor-Compton), nossa protagonista. A cena toda é embalada por uma onírica e onipresente “Nights In White Satin”, assombrosa balada do grupo The Moody Blues, estabelecendo uma referência musical ao fantasma todo de branco da mãe de Michael Myers, tema que domina o filme e explica as motivações do assassino. A canção é belíssima e, para quem quiser conhecer, inseri abaixo o vídeo que é usado no próprio filme.


   A premissa segue a cartilha da série: Michael Myers, transformado num homicida praticamente indestrutível, retorna à cidadezinha de Haddonfield em plena noite de Halloween para atormentar a vida da pobre Laurie Strode e de quaisquer desavisados que cruzarem seu caminho. Porém, quem espera apenas mais um banho de sangue obtuso, o filme surpreende ao humanizar seus personagens, sejam eles vítimas ou vilões. É uma verdadeira carnificina, não se engane, um slasher com todos os seus elementos indispensáveis, mas não há como não se comover com algumas das mortes. O elenco também é excepcional, com Brad Dourif no difícil papel de um xerife perturbado pelos fatos ocorridos no filme anterior. Surpreende também o Dr. Sam Loomis interpretado por Malcolm McDowell. Ao contrário do abnegado e obcecado psiquiatra interpretado com brilhantismo por Donald Pleasence nos filmes originais, McDowell encarna um sujeito oportunista e mau-caráter, que tira proveito de toda a tragédia envolvendo os crimes e escreve um livro no qual revela segredos da vida de todos os envolvidos. O lançamento do livro acontece em pleno 31 de outubro, dia de Halloween. A atuação de McDowell, como sempre, é notável, mantendo o filme em alto nível.
   No entanto, para poder se apreciar plenamente um filme como Halloween II, é preciso aprender a conviver com as contradições de seu autor. Rob Zombie é um típico subproduto da cultura pop americana, muito similar a Stephen King: ambos recheiam suas obras de referências diretas aos seus ídolos, puramente pelo prazer do tributo, e não se constrangem em replicar trechos de obras famosas como forma de “homenagem” ou “citação” (claro, Tarantino faz a mesma coisa e todo mundo acha o máximo). Porém, devemos reconhecer que quando Zombie usa “Freebird” no clímax de Rejeitados pelo Diabo, ele ajuda a nova geração de espectadores a aprender que isso é essencialmente uma música, um dos grandes clássicos da cultura popular do século passado, e não apenas a fase do boss no Guitar Hero (a propósito, se interessar a alguém, Rob Zombie participa do disco de estúdio mais recente do Lynyrd Skynyrd, que aliás é muito bom). Ou seja, ao recusar a armadilha fácil da auto-indulgência, ele compõe um mosaico rico em referências e contribui no resgate de parte da cultura pop.

Bem-vindo ao meu pesadelo

   No final, entretanto, é tudo questão de afinidade. No mundo imaginário de Rob Zombie, é comum que meninas teenagers se divirtam ouvindo “Kick Out The Jams”, do MC5, pendurem quadros de Alice Cooper e Charles Manson pela casa (Manson é uma das obsessões de Zombie), ou mesmo saiam dirigindo loucamente ao som de “Am I Evil”, do Diamond Head, e se fantasiem como personagens do musical The Rocky Horror Picture Show. Claro que isso tudo fala muito mais do próprio Zombie do que da personagem que ele quer mostrar (no caso, Laurie Strode), ainda que algumas letras - especialmente a de “Am I Evil” - sirvam também como importante elemento narrativo. Paradoxal, mas ao mesmo tempo revelador, acaba denunciando uma certa ansiedade por parte de Rob Zombie de preencher a tela com seus ídolos, em total descompromisso com a lógica (exceto que se disponha a interpretar tudo como um quebra-cabeça que se completa no final...).
   O filme tem outros pontos positivos, como a relação complexa entre as garotas e o fracasso do tratamento psiquiátrico de Laurie, com Margot Kidder no papel da doutora. O final também é especialmente poderoso e novamente fazendo uso correto de uma canção pop, um coda adequado a um filme que busca ter vida própria ao mesmo tempo que deixa portas e janelas abertas para um eventual terceiro capítulo. A ambiguidade da tomada final é uma amostra do que Rob Zombie é capaz de criar - e, esperamos, um indício do que ele tem de melhor a oferecer futuramente.

17 comentários:

  1. Caramba, parece mil vezes superior ao primeiro. Assistirei assim que possível. No primeiro concordo plenamente que o crime maior é atribuir a família de Myers sua psicopatia. Assim fica fácil né? Depois que eu ver o H2 comento mais!

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  2. Só quero dizer que gosto de falar mais detalhadamente sobre determinados filmes porque acho que despertam temas interessantes. Isso não significa que os filmes sejam mesmo bons ou excepcionais; apenas que, do meu ponto de vista, merecem um pouco de atenção.

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  3. Entendi! E eu vou ver com atenção. Se eu não gostar, escrevo um texto destruindo o filme no meu blog, hahaha, brincadeira!

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  4. Parabéns pelo texto mr. Primati, ele fez com que eu ficasse com vontade de ver esse filme, coisa que estava fora das minhas cogitações antes de visitar seu blog... Abraços.

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  5. Opa, valeu mesmo! Pelo jeito, vou criar altas expectativas quanto ao filme! Só espero que Mr. Zombie seja capaz de seduzi-los também; eu acho o filme pelo menos interessante, com grandes personagens. E obrigado por lerem meu post gigantesco! "Beware of the blob!".

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  6. Ah, uma coisa IMPORTANTE! Eu tive o cuidado de não colocar nenhum spoiler no texto, pois imagino que muita gente ainda não viu esse filme. Sempre terei esse cuidado quando escrever de filmes recentes, mas eu queria retomar a discussão mais tarde, pois tem alguns aspectos do filme que não comentei e acho que valem uma discussão mais profunda! Espero que mais gente esteja a fim de falar sobre o filme, depois que todo mundo tiver visto.

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  7. Grande texto Primati! Concordo plenamente, mas ainda acho que o melhor que o Zombie fez, além de ter contratado John 5, foi "Rejeitados pelo Diabo". Aquela cena final com Lynird Skinird é digna de prêmio.

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  8. Eu também gosto muito de REJEITADOS, ainda mais com Lynyrd no clímax. Confesso que não consegui curtir muito o filme por causa da imagem em tela cheia - não sei se é o formato original (não pesquisei), mas o DVD nacional é 4:3 e achei péssimos os enquadramentos! Claro que isso é pouco para estragar um filme, mas me deixou de mau humor, hehehe...

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  9. É muito melhor que o primeiro sem dúvida. Não acho que seja um bom filme no final das contas, o Zombie se perde na própria pretensão. Mas tem cenas muito bem construídas e ótimos movimentos de câmera. Falta ao Zombie ainda um GRANDE FILME, como falta ao Ti West, ao Dante Tomaselli e outros jovens nomes do novo cinema de horror.

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  10. Olá Carlos, bacana seu novo blog. Vou acompanhá-lo.
    Diga-me. Te mandei um email há umas duas semanas, você recebeu?
    abs.

    Gabriel Carneiro

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  11. Oi, Gabriel! Não recebi seu e-mail não! Meu endereço novo é cprimati@gmail.com. Por favor, volte a escrever. Abraço.

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  12. Santa coincidência, Batman! Acabei de assistir Trick 'r Treat (ou "Contos do Dia das Bruxas"), que achei até melhor do que eu esperava, apesar de parecer PG-13, de tão comportado no gore.

    Agora me interessei pelo H2, nem pensava em ver. Valeu pela dica.

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  13. Coincidência mesmo é que eu acho que o TRICK'R TREAT deve aparecer em breve no Cinema Gato Preto, o blog "irmão" do meu, hehehe. Estou curioso para saber o que o pessoal vai achar do HALLOWEEN II.

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  14. Assim como os que comentaram, fiquei ansiosíssima para assistir ao filme! Não pretendia boicotá-lo, mas não estava com grandes expectativas. A música do The Moody Blues é maravilhosa, e eu fico aqui imaginando como ela deve ser encaixada no filme. Achei muito bacanas suas observações sobre essa vontade do Rob Zombie de estar sempre fazendo tributo aos ídolos. Acho muito legal quando isso acontece. Pode-se identificar as origens do cineasta, de suas marcas e características, como você fez. É engraçado isso de ele moldar personagens ideais, fugindo da realidade e prendendo-se a como gostaria que fossem. Acho corajoso, na verdade.

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  15. Muito bom o blog, e excelente essa crítica também. Você é um dos poucos que teceram comentários minimamente positivos a esse H2.

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  16. Olá, Jeff. Escrever textos interessantes sobre filmes não tão bons é um dos grandes desafios dessa atividade, e é uma das coisas que tento fazer. Fico contente que tenha gostado do que escrevi; concordar é o de menos, o que mais aprecio é discutir com pessoas que apresentam argumentos razoáveis. Grande abraço e visite sempre o blog!

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  17. eu vou degolar a garganta de todo mundo na motosserra

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