Vampiros, esses coitados, não têm vez no cinema brasileiro. Não estou dizendo que os chupadores noturnos não tenham mostrado em nossas telas seus dentes pontiagudos, suas capas esvoaçantes e sua insaciável sede de sangue. Mostraram sim, e em quantidade (ainda que nem sempre em qualidade), mas quase nunca foram levados a sério. Parece que nossos cineastas já decidiram que vampiro não assusta em cenários tropicais.
Obras kine-cômicas como Um Sonho de Vampiros, Olhos de Vampa, As Sete Vampiras e o irreverente Nosferato no Brasil - estes dois últimos assinados pelo esculhambador-mór Ivan Cardoso - se encarregaram de aniquilar quaisquer rastros do poder apavorante dos vampiros de antanho. Sob nosso calor tropical, Bela Lugosi não apenas is dead; neste rincão onde se plantando tudo dá, ele foi sumariamente enterrado e serviu de adubo para comédias que trataram de humilhar a figura clássica do desmorto.
Banquete de Taras
Talvez essa nem seja a principal intenção deste horror erótico dirigido por Carlos Alberto Almeida e lançado em 1982, mas garanto que você não vai levar Banquete de Taras a sério depois de assistir os primeiros cinco minutos. A premissa é clássica e o filme até pega emprestado alguns elementos góticos de obras estrangeiras: começa com a chegada a Nova Friburgo, no Rio de Janeiro, de um estranho homem vestido de preto. Ele visita a mansão de Vladmir Vladislav, um jovem escultor que leva mais uma vida de playboy do que a de um artista plástico. O visitante revela que está no Rio de Janeiro para cuidar dos planos de além-túmulo de um ancestral do escultor, um conde vampiro morto há mais de 500 anos na Transilvânia. O tal conde continua vivo em espírito e precisa de sangre fresco para renascer. O plano é tão simples quanto canalha: para saciar a sede de sangue do titio, Vladmir deve fazer sexo com quatro mulheres diferentes em quatro noites seguidas de lua cheia. O rapaz acha bem razoável a proposta, não faz qualquer objeção e as orgias logo começam.
A melhor idéia do filme são as mulheres que, depois de serem possuídas sexualmente pelo escultor, são transformadas em estátuas de pedra que passam a decorar o jardim de sua mansão. A referência direta, obviamente, é o clássico O Moinho das Mulheres de Pedra (1960), dirigido pelo italiano Giorgio Ferroni, mas o filme é conduzido de maneira tão pouco imaginativa que mesmo detalhes assim acabam se perdendo. Completa a bagunça uma trilha sonora que mistura indistintamente Ravel, Roberto Carlos, Rick Wakeman, Pink Floyd e Bernard Herrmann.
Para quem se contenta com um punhado de cenas de sexo softcore, Banquete de Taras pode até divertir um pouco, no sentido ‘sala-especial’ de diversão. Porém, mesmo seu erotismo é contestável: a cena de abertura fica entre o hilário e o grotesco, quando o emissário do conde usa seu incrível poder hipnótico para induzir uma mulher mais velha (e não muito atraente) a se masturbar dentro do ônibus! Entretanto, nada provoca mais risos incontroláveis do que o ridículo Newton Couto posando como uma versão barata de Christopher Lee, com a diferença de ter feições mais engraçadas do que assustadoras - e muitos centímetros a menos em estatura. Aliás, falando nisso, já estamos prontos para falar de nosso próximo exemplar...
As Taras do Mini Vampiro
Aproveitando a visita do grande corintiano Diogenes ao blog (o legal desse formato é que podemos chamar pelo nome a maioria dos leitores!), vou comentar um filme bônus: nada menos do que o cult trash As Taras do Mini Vampiro (1987), dirigido por José Adalto Cardoso. O Diogenes sempre propagou aos quatro ventos que é fã do filme, e principalmente de seu diminuto astro, o anão Chumbinho, protagonista também do pornô bad-trip Fuk Fuk à Brazileira (1986), que Jean Garrett assinou sob o esperto pseudônimo J.A. Nunes; então está feita a homenagem ao amigo!
Tudo que ficava no quase no filme comentado anteriormente chega às últimas consequências em As Taras do Mini Vampiro. O humor, desta vez, é escrachado, e o sexo, tão explícito quanto é possível imaginar. No mau sentido. Aquele explícito grosseiro, feio, desagradável, capaz de disassociar erotismo de pornografia (eu, ao contrário de muita gente, acredito que pornografia é essencialmente erótica, mesmo quando seu foco principal são closes genitais).
O filme acompanha as desventuras do personagem do título, um horrendo anão vampiro que ataca casais (e, às vezes, trios) em seus momentos de intimidade. A trama é ambientada em Batatal, uma pacata cidadezinha do interior, e logo a grotesca criatura vai parar na primeira página dos jornais e atrai a atenção de políticos oportunistas e um excêntrico caçador de vampiros, interpretado por Renalto Alves. É fácil demais apontar os defeitos no filme, pois eles são muitos, porém é muito mais interessante vasculhar seus méritos. Os momentos de humor às vezes funcionam: impossível resistir, por exemplo, à safadeza do prefeito da cidadezinha, que quer a todo custo tirar proveito da situação para fazer com que Batatal fique conhecida nacionalmente. A cena do vampiro arrastando seu caixão pelo campo tem algo de trágico, macabro e poético, mas é melhor eu não comparar com a tomada semelhante que aparece em Nosferatu, o Vampiro da Noite (1979), de Werner Herzog...
A conclusão que podemos chegar é que As Taras do Mini Vampiro é algo que só pode ser devidamente apreciado por alguém com gosto adquirido pela coisa. É para os iniciados, para quem experimentou sangue e quer mais, mais, mais!
Tô a horas procurando "A Tara do Mini Vampiro"! "Fuk Fuk à brasileira" é daquelas experiências transcedentais! Mas o meu preferido do anão chumbinho e da boca é o inacreditável "Um Pistoleiro Chamado Papaco", chorei de tanto rir na primeira vez que vi! Agora tenho que conseguir esse mini vampiro e o "Edifício Treme-treme", entre outros... embora me diverta muito com estas tosqueiras, concordo contigo... é para público restrito! Nem todos tem estômago para isso! Isso que nem chegamos nas insanidades do Sady Baby! Pois é... e tem gente que acha que o difícil é assisitr Lars Von Trier ou Bergman... coitados! Hahaha!
ResponderExcluirBlob, acho que é relativamente fácil de encontrar AS TARAS DO MINI VAMPIRO na internet. O filme estava programado para uma sessão-surpresa na mostra Horror no Cinema Brasileiro no CCBB do Rio de Janeiro, mas não tenho certeza se a sessão foi realizada. Caso tenha acontecido, temo que o Chumbinho tenha conquistado mais admiradores, hehehe...!
ResponderExcluirDentro da série "o mundo virtual dá voltas", meu amigo Sergio Martorelli surrupiou um texto do meu outro amigo Diogenes L. Cesar para a postagem que fez do filme (disponível para download na página) AS TARAS DO MINI VAMPIRO. Os interessados podem acessar o filme aqui: http://www.salaespecial.com/archives/13. Mas fica o aviso: procedam com cautela!
ResponderExcluir"Vampiros, esses coitados, não têm vez no cinema brasileiro."
ResponderExcluirPois é, "signore" Primati, e é por essas e outras, que não pude sequer esboçar nenhum personagem brasileiro na minha criação... lembrei do logo do Bento Carneiro, o vampiro brasileiro, recorda? E a figura bem personal que você é, será o único resquício de Brasil que me inspirou um personagem que, por sinal, é pior que um vampiro, rsrsrs. Mas, falando dos filmes aqui citados, nem sequer encontro pálavras. Fico com um trecho do comentário do BLOB: "é para público restrito! Nem todos tem estômago para isso! Isso que nem chegamos nas insanidades do Sady Baby!"
Mais uma vez: obrigado Primati!Por lançar o endereço de acesso a essa obra! Só falta conseguir ceva e reunir os amigos... sim, eu assisti alguma dessas coisas com vários amigos e amigas (!!!), alguns chegavam a rolar no chão, literalmente, de tanto rir! Principalmente com o "Um Pistoleiro Chamado Papaco"! Se não viu esse, está perdendo! Abraços
ResponderExcluirPois é, Cayman, no cinema brasileiro tem bem pouco para se orgulhar em termos vampíricos... Lembro sim do Bento Carneiro, do cearense Chico Anysio. Na época eu era completamente rebelde e odiava intensamente o personagem; acho que hoje eu até seria capaz de achar graça, hehehe... Mas em termos de quadrinhos temos aquela coisa belíssima que é o Drácula do Nico Rosso e R.F. Lucchetti. Também tem a Mirza, nossa proto-Vampirella. Aliás, falando nisso, quando estive na casa do Lucchetti, ele me mostrou o roteiro de um longa-metragem da Mirza que ele escreveu há anos - mas que, obviamente, nunca foi transformado em filme; uma pena. Porém, fico aqui pensando que atriz brasileira seria capaz de encarnar a Mirza!
ResponderExcluirBlob, não testei o link, mas acredito que ainda funciona. Fico imaginando as consequências de amigos e amigas (!!!) reunidos para ver AS TARAS DO MINI VAMPIRO, com cerveja liberada e tudo... Ops, melhor eu nem pensar! Mas se rolar essa sessão, você precisa contar tudo em detalhes aqui! ;)
ResponderExcluirÓtimo texto, muito divertido - como não poderia deixar de ser. Muito bacana que tenha aberto esse espaço para os vampiros nacionais - ainda que parcos - no especial que está fazendo. Achei ótimo o comentário sobre a trilha sonora do BANQUETE DE TARAS. Lembro que quando você estava assistindo nós ficamos impressionados com a maluca diversidade da música do filme. Não vi o filme com o Chumbinho, mas esse deve prometer, hein? Bizarro é pouco. :)
ResponderExcluirQuando prometi algo bem diferente de CREPÚSCULO, estava falando sério, hehehe. Comentei um filme romeno, um franco-germânico e agora esses dois brasileiros. Para concluir o ciclo, ainda falarei de um filme argentino e uma dobradinha estadunidense. Espero que achem que valeu a pena!
ResponderExcluirÓtimo texto! São obras de qualidade maior que merecem o devido resgate! :)
ResponderExcluirFalando nisso... Onde estará o "grande" ator Chumbinho?
Carlos, você me deixou curioso... esse roteiro do Lucchetti nem sequer foi quadrinizado? E quanto às produções brasileiras dos nossos mestres do horror... você sabia que nos anos 60, apesar de os roteiros serem ambientados fora daqui, os vampiro de Rosso e Lucchetti era chamado de "Dracula Brasileiro" lá fora? Descobri isso através de um amigo no Arizona que comprava gibis aqui, já que lá a produção era quase escassa na época e só puco depois surgiu a Vampirella da Warren.
ResponderExcluirRodrigo, acho sinceramente que todos os filmes (de horror) merecem ser resgatados, ainda mais em se tratando de filmes brasileiros, cuja história ainda está sendo escrita. :)
ResponderExcluirCayman, eu não sabia que o Drácula do Rosso e Lucchetti era conhecido fora do Brasil! Não tinha idéia disso, que legal. Não sei se existe algo melhor feito no resto do mundo naquela época.
Sobre o roteiro do longa da Mirza, imagine uma visita à fantástica fábrica de chocolate... Pois bem, era eu na casa do Lucchetti! Milhões de quadrinhos (originais dele, a maioria), coleções de autênticos gialli (não os filmes, os livros italianos mesmo), o roteiro de O ESTRANHO MUNDO DE ZÉ DO CAIXÃO cheio de anotações feitas pelo Lucchetti e pelo Mojica...
A visita durou umas 10 horas (terminando com lanches feito pela simpática Sra. Lucchetti), mas não deu para aproveitar 1% do que ele tem lá dentro! Ainda por cima, é uma pessoa adorável.
"Edifício treme treme" é muito ruim, e, pelo que me lembro, a participação do Chumbinho é basicamente a de olhar pelos buracos das fechaduras (ele interpreta o zelador do prédio). O único dado curioso é que o narrador do filme tem a voz igual à do cara de narra as reportagens do programa da Luciana Gimenez na Rede TV...
ResponderExcluirConsegui assistir ontem o Mini Vampiro! Uma cena que talvez seja novidade nos filmes dos chupadores de Sangue - e absorvente neste caso - é quando o famoso Anão-Vampiro vai ao dentista. E o pior: Vai por recomendação do prefeito da cidade! Eu nunca tinha visto vampiro indo no dentista! Acho que nem nas comédias mais escrachadas de vampiro tal fato aconteceu! As garotas do filme dão mais medo doque a criatura! Tem um cara barbudo que também está no filme "Fuk Fuk à Brazileira". Acho que o cara deve ser Fã do Chumbinho! Marcone.
ResponderExcluirOLá esse filmes encontram-se no meu blog
ResponderExcluirhttp://baixarpornochanchada.blogspot.com/2012/02/as-taras-do-mini-vampiro-1987.html