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quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Carlos Hugo Christensen: filmografia de horror e suspense (1952)

   Nesta segunda e última parte do ciclo de filmes do argentino Carlos Hugo Christensen anteriores à sua fase brasileira comentarei duas interessantes produções da década de 1950. Os dois filmes são adaptações de histórias de suspense e horror do escritor William Irish (pseudônimo literário de Cornell Woolrich), autor também do conto que originou Janela Indiscreta (1954), de Alfred Hitchcock, entre outros. Eu planejava escrever também sobre o filme venezuelano El Demonio És un Angel (1950), aparentemente uma comédia romântica com algum toque de fantasia e sobrenatural, mas ainda não tenho o filme. Prometo comentá-lo aqui no blog logo que eu conseguir uma cópia.

Si Muero Antes de Despertar (1952)


   Possivelmente o filme mais interessante de Christensen em sua fase clássica argentina, realizado com notável inspiração e talento, adaptado do conto “If I Should Die Before I Wake”, de William Irish. Recentemente, Si Muero Antes de Despertar ganhou certa notoriedade entre pesquisadores e aficionados por filmes de horror por sua trama supostamente antecipar a premissa de A Hora do Pesadelo (1984), com um vilão semelhante ao infanticida Freddy Krueger. De fato, há algumas semelhanças entre os filmes, como o cruel homicida que seduz e mata crianças. O tema é pesado e corajoso, remetendo ao clássico M, o Vampiro de Düsseldorf (1931), de Fritz Lang; semelhança que também deve ter chamado a atenção dos mexicanos, pois o filme foi lançado naquele país com o título El Vampiro Acecha.

   Si Muero Antes de Despertar tem um clima de conto de fadas sombrio, com alusão a “João e Maria” em algumas cenas. Christensen inteligentemente intensifica o mistério ao mostrar pouco o odiável assassino, um pedófilo que atrai crianças com promessas de doces e brinquedos. A história é narrada pela ótica de um garotinho, única testemunha do desaparecimento de suas coleguinhas de escola. O título se refere a uma oração que as crianças fazem antes de dormir - outra coincidência com A Hora do Pesadelo, que também ficou caracterizado por uma sinistra cantiga de ninar.
   Escolhi para o vídeo a cena do menino sonhando com o assassino, mergulhado num cenário surreal de pesadelo, com destaque para o plano da mão do infanticida se projetando subitamente e oferecendo uma guloseima ao menino, num momento tenso e ameaçador - e também com um flagrante teor sexual.

No Abras Nunca Esa Puerta (1952)

   Novamente Christensen recorre aos contos de suspense de William Irish neste excelente exemplar de cine negro (a maneira como os argentinos se referem ao film noir). O filme é formado por duas histórias: “Alguien al Teléfono”, adaptada do conto “Somebody on the Phone”, e “El Pájaro Cantor Vuelve al Hogar”, baseada em “Hummingbird Comes Home”. O cineasta demonstra domínio absoluto da linguagem do cinema de suspense, construindo cenas tensas e climáticas. A iluminação com forte contraste entre luz e sombra, os enquadramentos inventivos e a montagem dinâmica, favorecendo a sucessão de eventos misteriosos, propiciam ao filme uma qualidade comparável ao melhor que se produziu no gênero na Hollywood da década de 1940.


   Alguien al Teléfono é sobre a morte misteriosa de uma jovem, que teoricamente teria cometido suicídio, e o desejo insano de seu irmão de vingá-la, indo em busca de um suposto agiota que a perturbava com telefonemas enigmáticos. A trama é relativamente simples e econômica, até previsível a certo momento, mas impressiona pela maneira como é conduzida. A relação entre irmão e irmã não deixa de ser intrigante. Eles moram juntos e aparentemente o rapaz tem por ela um ciúme possessivo. Não conheço a obra literária de Woolrich, mas o estilo me lembrou os contos trágicos da EC Comics, em especial das revistas policiais como Crime SuspenStories e Shock SuspenStories. O vídeo que capturei mostra o momento em que o rapaz é perturbado por um dos telefonemas misteriosos. Você terá que assistir ao filme para entender o que acontece...


   El Pájaro Cantor Vuelve al Hogar é outro exuberante exercício de suspense, sobre uma noite de horror vivida por uma senhora cega que mora com a sobrinha num velho casarão. A idosa aguarda esperançosa a visita do filho, com quem ela não se encontra há anos, visita essa que acontece de maneira inesperada e traumatizante. O rapaz chega na calada da noite, acompanhado por dois amigos, um deles gravemente ferido. O filho diz que sofreram um acidente de carro, mas à esta altura já sabemos que são criminosos que acabaram de cometer um assalto. O líder do bando só é identificado por uma peculiar melodia que costuma assobiar entre dentes - aqui Christensen mais uma vez estabelece um elo com M, o Vampiro de Düsseldorf. O trecho em vídeo que selecionei é o momento em que a mãe decide enfrentar sozinha o problema, mas novamente prefiro deixar sem explicação a conclusão da trama.

   Quem tem algum interesse no cinema clássico sul-americano não pode deixar de conhecer a obra de Carlos Hugo Christensen nesse período. Para mim foi uma satisfação redobrada; há anos queria ver esses filmes, pois considero o Christensen um dos principais realizadores do cinema de horror brasileiro. Entre as demais obras do cineasta que podem (ou não) flertar com o horror, não consegui localizar Con el Diabo en el Cuerpo (1947), Leonora dos Sete Mares (1956) e A Casa de Açúcar (1996). Quem tiver qualquer informação de como eu poderia conseguir cópias desses filmes, peço por gentileza que entre em contato comigo.

17 comentários:

  1. Taí. Dois posts que, ainda que não tivessemos já tido outros tão bons quanto, já bastariam para justificar toda a existência desse blog. Parabéns, Primati, pela pesquisa e pelas descobertas suas e da Laura. Ainda espero ouvir considerações de vcs sobre O SÓSIA DA MORTE. Sobre o Christensen, é incrível a capacidade com que ele se adaptava aos gêneros, quaisquer que fossem. Flertou com o western uma única vez, em CAINGANGUE - A PONTARIA DO DIABO, e fez algo de brilhante. Acho que ele é menos autoral pelo trabalho com gêneros (nos quais quase sempre) e mais por alguns temas recorrentes: homossexualidade e pedofilia, por exemplo. Não lembro de outro western brasileiro em que houvesse personagens gays, e pelo visto há vários deles nos flertes com o horror na fase argentina. Sem meias palavras, muitos que os conheceram dizem que ele era assumidamente gay. Fosse ou não, é óbvio que tinha interesse pela temática.

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  2. Opa, Rodrigo, valeu pela visita e ainda mais pelos comentários! Esses filmes do Christensen eram uma espécie de obsessão para mim, e finalmente pude vê-los. Sou do tipo que lê filmografias e fica pensando "Meu Deus.... La Dama de la Muerte.... 1946! Tenho que ver isso...!", hehehe. Sei que meu blog dificilmente será 'popular' enquanto eu insistir em comentar filmes obscuros assim, mas é o tipo de coisa que acho que vale mesmo a pena.
    Sobre O SÓSIA DA MORTE, eu simplesmente adorei o filme! Enquanto assistia, torcia para que ele seguisse justamente pelo caminho que seguiu, pois não só queria ter material rico para usar em minhas pesquisas (artigos, filmografia etc.) e assim reforçar um pouco mais a existência de filmes de horror em nosso cinema, mas também para garimpar bons exemplares para a mostra de horror. Esse filme só não foi exibido na mostra porque não encontramos cópias dele; mesmo a cópia em DVD (que você conseguiu) não podia ser aproveitada por estar dublada em espanhol, mas é certamente um dos filmes brasileiros de horror que mais gosto. Há muito mais a se dizer, sobre como a narrativa é conduzida a partir de um ponto de vista específico (e isso é puro cinema) e até como o tema que ele trata - apesar de absolutamente clássico - de certa maneira está muito na moda atualmente.
    Ouvi dizer que o Christensen era mesmo uma "bichoooona" (foi assim que me disseram, juro!), e tentei encontrar evidências disso nos filmes (temia encontrar algo misógino ou preconceituoso), mas o que me chamou a atenção foi mesmo o modo com que ele trata relações complicadas, como o casal de irmãos em "No Abras Nunca Esa Puerta" ou pai e filha em "El Angel Desnudo".
    Enfim, eu esperava muito desses filmes e mesmo assim fiquei surpreso; o Christensen é, no mínimo, um artesão extremamente competente, mesmo que seja discutível o aspecto autoral da obra dele.

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  3. Achei o SI MUERO ANTES DE DESPERTAR particularmente interessante, mas todos parecem ótimos e estou ansiosíssima para assisti-los. Ainda sobre o SI MUERO, será que tem alguma relação com o Cayetano Santos Godino, aquele assassino argentino de crianças? Assisti a um filme argentino de 2007 muito parecido com este, chamado EL NIÑO DE BARRO. O filme é sobre um menino que testemunha o desaparecimento dos seus coleguinhas, assassinados por esse Cayetano, e tem pesadelos premonitórios. Deve haver alguma relação entre os dois filmes. :)

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  4. Segundo Diego Curubeto, no interessante (mas às vezes vago e superficial) artigo sobre o cinema de horror argentino que integra o livro MONDO MACABRO, o assassino de SI MUERO ANTES DE DESPERTAR é inspirado na lenda de “el hombre de la bolsa” (um bicho-papão equivalente ao nosso “homem do saco”), mas isso não me parece muito convincente. O filme é trágico, mórbido e assustador, em nada se parece com algo que tente se relacionar com o universo infantil; a narrativa usa o ponto de vista da criança, mas não é um filme para ensinar petizes a não aceitar doces de estranhos. O assassino é uma pessoa de carne e osso, e não uma figura mitológica (como erroneamente afirma Curubeto no mesmo artigo). Não entendo muito bem o tipo de espanhol falado nesses filmes, mas não percebi qualquer referência ao tal “el hombre de la bolsa”. A referência mais direta, na minha percepção, é mesmo o M, de Fritz Lang, e seu odiável pedófilo e assassino. Não vi EL NIÑO DE BARRO, mas realmente parece que os filmes têm muito em comum! Talvez o filme de 2007 tenha se inspirado no clássico do Christensen, pois é um filme relativamente conhecido na Argentina, e intensificado a narrativa ao buscar um assassino real da história do país.

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  5. Ah, esqueci de comentar um detalhe: em EL NIÑO DE BARRO há algumas referências ao M, como o assassino ser reconhecido por assobiar "In the Hall of the Mountain King".

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  6. Então podemos afirmar que "M" é uma obsessão dos cineastas argentinos. A história do Peter Kürten, o assassino que inspirou "M", também serviu de base para outro filme argentino, "El Vampiro Negro".

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  7. Oi Primati,
    Sobre Casa de Açúcar: um amigo meu, Carlos Sanches, foi segundo assistente de direção nas filmagens e, segundo ele, o filme nunca foi terminado. Ele me contou inclusive que, por conta do centenário do Christensen, ele e o primeiro assistente do filme foram contatados e vão escrever um livro sobre o trabalho. Mas me disse que não tem certeza de quem ainda pode ter o material rodado - talvez esteja com o produtor, mas parece que não chegou a ser montado. De fato, embora o trabalho apareça listado em algumas filmografias, não há nenhum registro de qualquer projeção pública, nem no Brasil nem na Argentina.
    abraço,

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  8. Pois é, Daniel, a história que conheço é exatamente essa, de que o filme nunca foi montado, que ficou incompleto etc. Mesmo assim tem "colecionador" de filme que afirma ter cópia disso (claro que é mentira) e também já li que o filme teria sido exibido na Argentina (também duvido disso). Por via das dúvidas, els continua na minha wishlist. :) Grande abraço!

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  9. Primati, veja só este comentário sobre o Christensen no meu blog, achei MUITO curioso:
    http://www.cinequanon.art.br/medodoque/?p=84&cpage=1#comment-658

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  10. Caramba, muitíssimo interessante mesmo! Viu só como seu blog tem visitantes de alto nível?! O que conta é a qualidade, não a quantidade!
    Veja só o que consegui (foi o melhor que pude até o momento): http://www.cinenacional.com/peliculas/comprar.php?pelicula=1011

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  11. Laura, vi que "El Hombre Que Amé" é baseado numa obra (argumento, conto, romance...) de Guy Endore, o autor de THE WEREWOLF OF PARIS. Tentei descobrir o título dessa obra em inglês, mas até o momento não consegui nada. De qualquer maneira, fiquei bem interessado nesse filme!

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  12. É mesmo um grande achado ver estas obras postadas aqui. Só mesmo "Il Signore Primati" para rastrear tais filmes, que, são sempre temperados com saudosismo e autenticidade, coisa difícil de se encontrar nas "receitas" dos filmes atuais no gênero. E ainda servem de escola profissionalizante para os realizadores da nova geração. Pena que muitos detestem estudar...

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  13. Grande Cayman!! Que legal sua visita. Como fiquei sabendo que você tem algum interesse nos filmes do Christensen, fiz questão de chamá-lo para vir debater com a gente! Realmente, é uma pena que tão poucas pessoas queiram "estudar" tudo que o cinema tem a oferecer! Mas a gente faz o possível para mudar um pouco isso. Grande abraço!!

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  14. o problema (e o bacana) quando a gente começa a descobrir esses filmes é que SEMPRE tem pelo mais um que a gente também tem que ver...

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  15. Ah, Laura, com certeza que é assim! Pintou até uma certa depressão quando vi os últimos filmes brasileiros do meu acervo, hehehe. Aliás, estou prestes a receber mais uma raridade (avisá-la-ei assim que o tiver em mãos!), e fique atenta que hoje às 22:00 tem FILMEFOBIA no Canal Brasil, e na quarta de madrugada tem PROEZAS DE SATANÁS NA VILA DE LEVA-E-TRAZ, também no Canal Brasil.

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  16. Llegue hasta aqui a través del Blog de Laura Canepa. ¡Muy interesante la reseña sobre Christensen! Otro film de él muy recomendable y vagamente fantástico es "La balandra isabel llego esta tarde" (coproducción venezolana-argentina, se consigue en clansudamerica). Otro es "Los verdes paraisos" que aborda el tema del doble de una forma bastante inquietante.
    En cuanto a Endore, el cuento es "Lazarus Returns", aparentemente publicado por primera vez en 1935.

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  17. Olá, Pablo! É uma imensa alegria receber sua visita! Parece-me que os cinemas clássicos brasileiro e argentino são similares, especialmente na fase dos estúdios, mas acredito que a Argentina explorou com mais frequência os temas fantásticos. Isso aparece na rica obra de Carlos Hugo Christensen, por quem sempre tive imenso interesse e curiosidade. Seu comentário me motivou a ver esses outros filmes de Christensen; já consegui LA BALANDRA ISABEL LLEGO ESTA TARDE (exibido no Brasil como CAIS DA PERDIÇÃO), mas não consegui encontrar LOS VERDES PARAÍSOS! Encanta-me o tema do "duplo", que foi abordado de maneira brilhante no cinema brasileiro em O SÓSIA DA MORTE. Quero muito assistir a LOS VERDES PARAÍSOS e espero poder encontrar o filme em breve! Obrigado pelos comentários e visite o blog em outras ocasiões, pois o cinema fantástico argentino é uma das minhas grandes paixões!

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